ISSN: 1808-0774 - páginas 87 à 97
O PRINCÍPIO DO NO BIS IN IDEM NO DIREITO PENAL
BRASILEIRO
THE PRINCIPLE OF THE BIS IN
IDEM IN CRIMINAL LAW BRAZILIAN
Dione Micheli de Freitas Pedroso Immich[1]
Vladmir Haag Medeiros[2]
RESUMO
O presente artigo aborda o princípio do No Bis In Idem e sua aplicação no
ordenamento jurídico brasileiro. Tal princípio é previsto – tacitamente, para
parte da doutrina - pelo Código Penal Brasileiro em seus artigos 8º, em que tratada
a computação e a atenuação da pena – 42, em que tratada a detração da pena – e
pelo artigo 61, em que aborda as circunstâncias agravantes. Através de análise
de pesquisa bibliográfica sobre o tema, são tecidas breves considerações, bem
como uma abordagem respeito das consequências da aplicabilidade do princípio em
questão.
Palavras-chave: Direito Penal, princípio, no bis in idem, atenuação, detração, agravante.
ABSTRACT
This article discusses the
principle of No Bis In Idem and its application in the Brazilian legal system.
This principle is laid down - tacitly, for part of the doctrine - the Brazilian
Penal Code in its Article 8, which dealt with the computation and mitigation of
the penalty - 42, in which treated detraction pen - and Article 61, which addresses
the aggravating circumstances. Through analysis of literature on the subject,
are woven brief considerations, as well as an approach regarding the
consequences of the applicability of the principle in question.
Keywords: Criminal Law, principle,
no bis in idem, attenuation, detraction, aggravating.
1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este artigo tem por escopo abordar sobre o
Princípio do No Bis in Idem,
definindo-o e identificando suas características de aplicabilidade previstas no
Código Penal.
Para tanto, buscou-se fundamentar sobre a
importância dos Princípios Gerais do Direito para o ordenamento jurídico em
todos os seus ramos, tendo em vista que estes são instrumentos essenciais para
a interpretação e aplicação das normas.
Desta forma objetiva-se também abordar sobre os
Princípios Fundamentais do Direito Penal apontando seus principais objetivos,
bem como analisar alguns artigos do Código Penal Brasileiro em que é prevista a
utilização do princípio em questão, demonstrando-se a importância da temática
proposta, trazida a estudo pela doutrina pátria, embora tacitamente prevista no
ordenamento jurídico vigente.
Procura-se, ainda, citar, ainda que de forma
sucinta, aspectos da temática proposta desde suas concepções constitucional e
processual.
2 Princípios Gerais do Direito
Falar sobre os Princípios gerais do Direito, não é
nada fácil. Exige muito estudo e atenção para não perder o foco da temática,
devido ao fato de possuir uma vasta doutrina, muito embora contraditória entre
alguns autores.
Conceituar
princípios gerais de Direito é tarefa árdua que se espalha em inúmeras teorias,
nem sempre conclusivas. A matéria é de ordem filosófica. A enumeração das
fontes do direito costuma encerrar-se com a menção a esses princípios. Nosso
legislador, a exemplo de outras legislações, coloca os princípios gerais de
direito como fonte subsidiária, no citado art. 4a da Lei de Introdução ao
Código Civil, como último elo a que o juiz deve recorrer perante a lacuna
legal.[3](VENOSA,
2009, p. 141)
Considerados também como fontes do Direito, apesar
de apresentarem-se de forma implícita no transparecer das normas do ordenamento
jurídico e trazidos em sua grande maioria apenas na doutrina, eles são
considerados instrumentos norteadores para a aplicação das normas de maneira
justa, pois se mostram de maneira ampla dentro do sistema jurídico ao jurista.
Segundo Venosa, Miguel Realle conceitua os
princípios com facilidade:
[...] princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor
genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer
para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas.
Cobrem, desse modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua
atualização prática. (REALLE, apud VENOSA, 2009, p. 143).
De acordo com o referido
autor, é quase impossível enumerar todos os princípios que norteiam as normas,
sendo que a interpretação das mesmas irá depender essencialmente da vivência do
julgador.
É tarefa
inútil, por ser impossível, definir e catalogar esses princípios. São regras
oriundas da abstração lógica que constitui o substrato comum do Direito. Por
ser um instrumento tão amplo e com tamanha profundidade, sua utilização é árdua
para o julgador, pois requer vivência e traquejo com conceitos abstratos e
concretos do Direito, além de elevado nível cultural.
(VENOSA,
2009, p.142).
Contudo ele realiza um
paralelo de correntes, que segundo BATALHA pretendem identificar tais
princípios:
Para
citarmos algumas correntes já aqui acenadas, ora os autores propendem para
identificá-los com o direito natural, ora com princípios de equidade, ora com
princípios fundamentais da organização social e política do Estado. Para a
corrente legalista ou positivista, os princípios gerais de Direito são aqueles
norteadores do ordenamento, extraídos das diversas regras particulares. Para os
jusnaturalistas, esses princípios se identificam com o Direito natural, como
reflexos de leis permanentes da natureza humana e da natureza das coisas. Para
outros, esses princípios apresentam um fundamento decorrente da própria
estrutura política do Estado, estando na base do direito legislado ou do
ordenamento positivo. (BATALHA, apud VENOSA, 2009, p.142).
Em contraposição, STRECK
afirma que os Princípios Gerais do Direito, não possuem uma definição certa, e
sim, uma vasta contextualização trazida pela doutrina com o intuito de auxiliar
na interpretação e aplicação da mesma.
Os
Princípios gerais do Direito não tem conceito definido. Alguns doutrinadores
dizem que os princípios correspondem a normas de direito natural, verdades
jurídicas universais e imutáveis, inspiradas no sentido de equidade[4].
(SOARES de MELLO, apud STRECK, 2005, p.108).
Já DINIZ, por seu turno, afirma que os princípios
gerais do Direito são decorrentes de normas do ordenamento jurídico e derivados
de ideias políticas, sociais e jurídicas.[5]
Em todos os ramos do
ordenamento jurídico, os princípios possuem um alto teor de importância de
forma paralela embora não equivalente às Leis. Trata-se de instrumentos que
auxiliam na aplicação e interpretação das regras.
ÁVILA traz um amplo estudo
sobre a importância dos Princípios para o ordenamento Jurídico, referindo-se
aos mesmos como:
Os
princípios remetem o intérprete a valores e a diferentes modos de prover
resultados. Costuma-se afirmar que os valores dependem de uma avaliação
eminentemente subjetiva. Envolvem um problema de gosto (matter of taste). Alguns sujeitos aceitam um valor que outros
rejeitam. Uns qualificam como prioritário um valor que outros reputam
supérfluo. Enfim, os valores, porque dependem de apreciação subjetiva, seriam
ateoréticos, sem valor de verdade, sem significação objetiva. (ÁVILA, 2011, p.
64).[6]
Assim sendo, os princípios
são de suma importância, tanto no preenchimento de lacunas, quanto no
aprofundamento da interpretação de um caso concreto. Trata-se de uma
contextualização muito mais ampla do que a norma propriamente dita, de modo a
auxiliar na interpretação da mesma.
ÁVILA traça, ainda, um
paralelo entre princípios e normas, trazendo suas principais distinções.
A distinção
entre categorias normativas, especialmente entre princípios e regras, tem duas
finalidades fundamentais. Em primeiro lugar, visa a antecipar características
das espécies normativas de modo que o intérprete ou o aplicador,
encontrando-as, possa ter facilitado seu processo de interpretação e aplicação
do Direito. Em consequência disso, a referida distinção busca, em segundo
lugar, aliviar, estruturando-o, o ônus de argumentação do aplicador do Direito,
na medida em que uma qualificação das espécies normativas permite
minorar-eliminar, jamais- a necessidade de fundamentação, pelo menos indicando
o que deve ser justificado. (ALEXY, apud ÁVILA, 20011, p. 65).
Contudo, os princípios
visam a auxiliar as normas de maneira subsidiária, para que o intérprete ou
aplicador do Direito as possa utilizar de maneira justa. No entanto, são eles
que sustentam as regras.
Colaborando com essa ideia
MELLO assim leciona:
[...]os
princípios são os mandamentos nucleares, o alicerce do sistema jurídico, eis
que seriam base e diretriz para a correta compreensão dos mesmos. Somente pelo
auxílio dos princípios seria possível ao interprete alcançar uma visão unitária
do ordenamento jurídico. Desse modo, a violação de um princípio seria muito
mais grave do que a transgressão de uma regra, eis que implicaria uma ofensa
não a um mandamento especifico, mas ao sistema como um todo.[7]
(MELLO, apud CRUZ, 2007, p.277).
Com tal afirmação, fica muito
clara a real importância dos princípios, tanto que é possível visualizarmos
estes em todo ordenamento jurídico, mesmo que implicitamente.
3 Princípios Fundamentais do Direito Penal
Como já foi dito antes, os princípios são
instrumentos norteadores e fundamentadores de todo o ordenamento jurídico em
todos os seus ramos. São eles que determinam os valores de uma determinada
sociedade, sendo também fundamentais para o Direito Penal.
O Direito
Penal, como também os demais ramos do ordenamento jurídico, fundamentam-se em
determinados princípios, como elementos essenciais e diretores, em sua maioria
jurisdicizados, seja em nível constitucional, seja não constitucional.
Derivados, em sua origem, dos valores ético-culturais e jurídicos vigentes em
uma determinada comunidade social, numa certa época, foram se impondo num
processo histórico-político contínuo como basilares à sociedade democrática.[8]
(PRADO, 2013, p. 155-156).
Seguindo essa linha de
raciocínio, o autor referido anteriormente ressalta que os princípios no
Direito penal são essenciais e indispensáveis no que se refere à aplicação da
norma penal, de modo que tais princípios servem como subsídio limitador do
poder punitivo do Estado.
Os
princípios penais constituem o núcleo essencial da matéria penal, alicerçando o
edifício conceitual do delito – suas categorias teoréticas -, limitando o poder
punitivo do Estado, salvaguardando as liberdades e os direitos fundamentais do
indivíduo, orientando a política legislativa criminal, oferecendo pautas de interpretação
e de aplicação da lei penal conforme a Constituição e as exigências próprias de
um Estado democrático e social de Direito. Em síntese: servem de fundamento e
de limite à responsabilidade penal. (PRADO, 2013, p.156).
Deste ponto de vista é possível observar que os
princípios são considerados pressupostos basilares no exercício do Direito
Penal, vinculando todas as normas ao eixo constitucional, constituindo
premissas conceituais com maior teor de abstração, ao contrário das leis que
são normalmente relatos objetivos.
No Direito Penal, os princípios fundamentais se
dividem em três grupos:
[...]
princípios de proteção, delimitadores dos conteúdos de tutela penal (princípios
da fragmentariedade, da lesividade, do interesse público e da correspondência
com a realidade); princípio da responsabilidade, relacionados com requisitos
necessários para se exigir a responsabilidade penal (princípio da segurança
jurídica, da responsabilidade pelo fato, da imputação, da culpabilidade e da
jurisdição), e princípios da sanção, configuradores das reações penais
(princípios da humanidade das penas, teleológico ou dos fins da pena, da
proporcionalidade e do monopólio punitivo estatal). (PRADO, 2013, p.158).
Contudo, os princípios
fundamentais do Direito Penal, não só sustentam seu emaranhado de normas, mas
também fragmenta o que é de sua competência, objetivando possibilitar uma
melhor interpretação diante de um caso concreto.
4 O No Bis in
Idem no Direito Penal
Um dos princípios fundamentais do direito penal nacional
e internacional é o princípio da vedação a dupla incriminação ou princípio no bis in idem. Tal princípio proíbe que
uma pessoa seja processada, julgada e condenada mais de uma vez pela mesma
conduta.
Tendo em vista a necessária observância de princípios
e regras de nosso ordenamento jurídico à Constituição Federal, fonte de
validade de toda norma, importa apontar a origem do princípio em questão:
É certo que
a Constituição Federal de 1988, ao estatuir a garantia da coisa julgada (art.
5°, XXXVI) procurou assegurar a economia e certeza jurídica das decisões
judiciais transitadas em julgado, servindo, em outro giro, como fundamento do
princípio “ne bis in idem”, em seu aspecto processual. Por outro lado, o
princípio da legalidade, insculpido na Carta Magna, em seu artigo 5°, XXXIX,
serve de base ao aspecto substancial do princípio “ne bis in idem”,
concretizando os valores da justiça e certeza a ele inerentes[9]
(MASCARENHAS, 2009, p.3).
No Direito Penal, tal princípio atua como forte
intervenção no que se refere à promoção imensurável de Justiça, que é o
principal objetivo do Direito, bem como a valorização da pessoa humana, visando
a preservar suas garantias.
O princípio
ne bis in idem, que vem do direito romano e faz parte da tradição
democrática do direito penal, nada mais é do que corolário do ideal de justiça,
uma vez que determina que jamais alguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo
fato.[10]
(SILVA, 2008, p.2).
Coadjuvando com esta linha
de raciocínio, SILVA expõe que este princípio não se encontra de expressamente
previsto no ordenamento jurídico brasileiro, de modo que é analisado pela
doutrina. Esta, mesmo não sendo considerada fonte do Direito, apresenta extrema
relevância para tomada de decisões dos julgadores em análise de casos concretos
e, consequentemente, na fixação de penas, para que não se produzam inadequações
e desacertos sem razão por ocasião de julgamento.
Ainda segundo o autor:
Tal
princípio não está consolidado expressamente em preceito constitucional (se
comparado com o modelo constitucional alemão, que o prevê expressamente3).
Porém, o próprio Supremo Tribunal Federal, em decisão do Pleno, cujo acórdão é
da lavra do Ministro Ilmar Galvão, ressaltou que: “A incorporação do princípio
do ne bis in idem ao ordenamento jurídico pátrio, ainda que sem o
caráter de preceito constitucional, vem, na realidade, complementar o rol dos
direitos e garantias individuais já previsto pela Constituição Federal, cuja
interpretação sistemática leva à conclusão de que a Lei Maior impõe a prevalência
do direito à liberdade em detrimento do dever de acusar.” (SILVA, 2008, p.2).
Neste contexto, pode-se afirmar que tal princípio
incide tanto no âmbito processual quanto no âmbito material. Sobre o tema,
afirma MASCARENHAS:
No tocante
ao enfoque material, o instituto encontra fundamento nos valores da justiça e
certeza das decisões, privilegiando o status de inocência, e se
manifesta através da extraterritorialidade e do princípio da legalidade. Quanto
ao aspecto processual, o princípio se baseia, mormente, em questões de ordem
prática, quais sejam, economia e certeza com a finalidade de se evitar a
eternização das demandas, manifestando-se na garantia da coisa julgada e no
instituto da litispendência. Vale ressaltar que, no primeiro caso, o princípio
possui caráter absoluto, e no segundo, possui caráter relativo.(MASCARENHAS,
2009, p.4)
No mesmo sentido, abordando o tema sob o prisma do
Direito Penal, ANDRÉ ESTEFAM trata o princípio do ne bis in idem como uma vedação da dupla incriminação do réu, de
modo que ninguém pode ser processado ou condenado mais de uma vez pelo mesmo
fato. O referido autor refere que, na instauração de um processo por um delito
idêntico a um fato anterior, há a caracterização do instituto da litispendência;
ainda, se o fato já foi julgado definitivamente, há clara – e inaceitável -
ofensa à coisa julgada, conforme preceituam os artigos 95, incisos III e V, e
110, ambos do Código de Processo Penal. O autor aborda o tema, ainda, do ponto
de vista da qualificação do delito:
Outro
aspecto inerente ao princípio em estudo consiste na proibição de que o mesmo
fato concreto seja subsumido a mais de uma norma penal incriminadora. Assim,
por exemplo, se o agente defere diversos golpes de faca contra uma pessoa, num
só contexto, visando mata-la, objetivo atingido depois do trigésimo golpe, não
há vinte e nove crimes de lesão corporal e um homicídio, mas tão somente um
crime de homicídio (o meio utilizado pelo agente pode, contudo, qualificar o
delito, tornando mais severa a pena imposta)[11].(ESTEFAM,
2010, p.122).
PRADO, por seu turno, apresenta similar
entendimento sobre a questão, focando-a, no entanto, no aspecto da limitação do
poder punitivo do Estado, acertadamente:
O princípio
ne bis in idem ou non bis in idem constitui infranqueável
limite ao poder punitivo do Estado, Através dele procura-se impedir mais de uma
punição individual – compreendendo tanto a pena como o agravante – pelo mesmo
fato(a dupla punição pelo mesmo fato)[12].(PRADO,
2008, p.148).
CAPEZ refere:
Há
litispendência quando uma ação repete outra em curso. No processo penal isso se
verifica sempre que a imputação atribuir ao acusado, mais de uma vez, em
processos diferentes, a mesma conduta delituosa. Fundamenta-se no princípio de
que ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato: princípio do non
bis in idem. Nesse caso, prevê a lei a exceção de litispendência,
evitando-se o trâmite em paralelo de dois processos idênticos.[13](CAPEZ,
2012, p.485)
O mesmo autor também relaciona o no bis in idem com
a coisa julgada:
A exceção de coisa julgada (CPP,
art. 95, V) funda-se também no princípio non bis in idem. Transitada em
julgado uma decisão, impossível novo processo pelo mesmo fato. Nesse caso,
argui-se a exceptio rei judicatae. A coisa julgada nada mais é do que
uma qualidade dos efeitos da decisão final, marcada pela imutabilidade e
irrecorribilidade. (CAPEZ, 2012, p.488)
PRADO discorre que, a temática encontra-se referida
de maneira indireta nos artigos 8º e 42. Com relação à pena cumprida no estrangeiro, prevê, em seu artigo 8º, que
“A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo
mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.”. Isto
significa que, se o agente cumpriu pena no estrangeiro - sendo o delito
considerado crime também no Brasil e aqui for julgado -, sua pena será atenuada
se forem fatos com penas de naturezas diferentes e computada[14],
se idênticas.
Na obra de NUCCI[15],
faz referência ao princípio, mencionando o artigo 8º da Convenção Americana
sobre os Direitos Humanos, em que aborda ser lógico que, se não há a
possibilidade de processar novamente quem já foi absolvido, ainda que surjam
novas provas, não é admissível punir o agente pelo mesmo delito.
Colaborando com essa ideia, JESUS aplica a
definição deste princípio como “regra”, ao contrário da maioria da doutrina e
dá outra visão do mesmo:
Dispõe o
art. 8.o do CP que "a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta
no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando
idênticas". O dispositivo cuida de diversidade qualitativa e quantitativa
das penas.
A primeira
parte trata da diversidade qualitativa; a segunda, da quantitativa. Temos,
pois, duas regras:
1.a) a pena
cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime,
quando diversas; 2.a) a pena cumprida no estrangeiro pelo mesmo crime é
computada na imposta no Brasil, quando idênticas. Assim, o fato de ter o
sujeito cumprido a pena imposta pelo julgado estrangeiro influi, no Brasil, de duas
formas: 1.a) na determinação da pena concreta, atenuando-a, se a pena já
cumprida for diversa em qualidade da que a lei brasileira comina para o mesmo
crime (pena de multa cumprida no estrangeiro e privativa de liberdade a ser
imposta no Brasil); 2.a) na execução da pena imposta no Brasil, sendo nela
computada, se idênticas. No primeiro caso, a atenuação é obrigatória, mas o
quantum fica a critério do juiz. No segundo, cabe ao julgador apenas abater da
pena a ser executada, se maior, o quantum já cumprido no estrangeiro.
Exemplo de
diversidade qualitativa: Um sujeito, no estrangeiro, pratica crime contra a fé
pública da União (brasileira), incidindo a extraterritorialidade incondicional
de nossa lei penal (art. 7.o, I, b). É condenado nos dois países (art. 7.o, §
1.o): multa no estrangeiro e reclusão no Brasil. Satisfeita a multa no
estrangeiro, fica atenuada a pena imposta no Brasil.
Exemplo de
diversidade quantitativa: no caso anterior, o sujeito é condenado no
estrangeiro a um ano e no Brasil a dois anos de reclusão. Cumprida a pena no
estrangeiro, o condenado terá no Brasil a cumprir um ano de reclusão.
Deve ser
observado o disposto no art. 7.o, § 2.o, d, parte final, do CP. Se o sujeito,
pelo mesmo crime, já cumpriu pena no estrangeiro, nos termos da referida alínea
d, é inaplicável a nossa lei penal.[16](JESUS,
1998, p.117)
Desta forma, o fato de um indivíduo ser condenado
criminalmente e efetivamente cumprir pena no estrangeiro influi
substancialmente em sua condição jurídica no Brasil no que se refere ao cálculo
da pena aqui sentenciada.
Já o artigo 42 do Estatuto Penal está relacionado
ao instituto da detração:
Art. 42 - Computam-se,
na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no
estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos
referidos no artigo anterior.
NAGIMA relaciona a
detração ao poder punitivo do Estado:
A detração
visa impedir que o Estado abuse de poder-dever de punir, sujeitando o
responsável pelo fato punível a uma fração desnecessária da pena sempre que
houver a perda da liberdade ou a internação em etapas anteriores à sentença
condenatória[17]. (DOTTI, apud NAGIMA,
2004, p.1).
CAPEZ exemplifica a Detração penal da seguinte
forma:
Nos termos
do art. 42 do CP, só cabe detração penal na hipótese de prisão provisória.
Assim, nos casos em que for decretada a prisão preventiva, esse tempo poderá
ser descontado da futura pena privativa de liberdade pelo juízo da execução, no
momento de se proceder ao cálculo de liquidação de penas. Mesmo quando a prisão
preventiva for cumprida no domicílio do agente, será admissível a detração, já
que se trata de prisão preventiva cumprida no domicílio do acusado, por se
encontrar esse dentre as hipóteses excepcionais previstas no art. 318 do CPP
(maior de 80 anos; extremamente debilitado em razão de doença grave;
imprescindível aos cuidados de menor de 6 anos ou deficiente; gestante no
sétimo mês de gravidez ou com gravidez de risco). (CAPEZ, 2012, p.337)
Complementando a exemplificação de CAPEZ, GONÇALVES
traz ainda outros exemplos com relação à aplicação da Detração:
A detração
aplica-se qualquer que tenha sido o regime de cumprimento fixado na sentença
(fechado, semiaberto ou aberto). Também se aplica a algumas penas restritivas
de direitos (prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas,
interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana) porque estas
substituem a pena privativa de liberdade pelo mesmo tempo aplicado na sentença
(art. 55). Suponha-se que uma pessoa ficou presa 6 meses aguardando a sentença
e foi condenada a 8 meses de detenção, sendo que o juiz substituiu a pena
privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade (pena restritiva
de direitos). A prestação de serviços teria de ser feita por 8 meses, mas,
descontando-se o tempo em que o condenado ficou preso, terá de cumprir apenas
os 2 meses faltantes. (GONÇALVES, 20012, p.287-288)
Ainda segundo este autor, não cabe detração para
pena de multa, pois a reforma trazida pela Lei nº 9.268/96, que alterou a
redação do art. 51 do Código Penal vedando a conversão da pena de multa em
detenção, além do que o artigo 42 é taxativo e não menciona tal possibilidade.
Em relação ao sursis, também é
incabível a detração porque se trata de pena substitutiva que não guarda
proporção com a pena privativa de liberdade aplicada na sentença. Em
contraposição à PRADO, fala que o Código Penal possui apenas dois artigos que
trazem o princípio do no bis in idem.
GONÇALVES
afirma que o mesmo possui outra previsão, no artigo 61, caput, quando versa sobre as agravantes, que não devem estar
presentes no tipo penal.
[...] por
esse princípio, determinada circunstância não pode ser empregada duas vezes em
relação ao mesmo crime, quer para agravar, quer para reduzir a pena. Assim,
quando alguém comete um homicídio por motivo fútil, incide a qualificadora do
art. 121, § 2º, II, do Código Penal, mas não pode ser aplicada,
concomitantemente, a agravante genérica do motivo fútil, prevista no art. 61,
II, a. Essa agravante, portanto, será aplicada a outros crimes em que a
futilidade da motivação não esteja prevista como qualificadora.[18]
(GONÇALVES, 20012, p.32-33)
Estas agravantes são
consideradas pela Doutrina, como “agravantes genéricas”, onde tem por objetivo
evitar que o agente seja punido duas ou mais vezes pelo mesmo fato. Neste
sentido, o juiz ao se deparar com um caso concreto onde, o agente praticou uma
circunstância prevista do Art. 61 do código penal, e esta ainda assim constar
do tipo praticado caberá ao juiz não leva-la em consideração, aplicando somente
o que está previsto no tipo.
Assim, as três previsões legais encontram-se
fortemente fundadas no princípio do No
Bis In Idem, tendo todas elas, a função de limitar a atuação do poder
punitivo estatal, agindo, de forma direta, na defesa de direitos e garantias
individuais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os Princípios são instrumentos através dos quais
são interpretadas e aplicadas as normas de todo ordenamento jurídico. Sem eles,
tanto o legislador quanto o aplicador da norma, não teriam fundamentação
suficiente para alcançar o máximo de justiça ao caso que se lhe colocar à
análise. O primeiro, por que as normas são criadas em função das consequências
que geram, de acordo com determinados casos concretos e em determinado tempo e
sociedade. O segundo, pois depende de uma boa fundamentação para justificar
suas decisões, devido ao fato de que as normas em si são suficientemente
objetivas.
O princípio do No
Bis in Idem encontra-se diretamente ligado à limitação do poder punitivo do
Estado, bem como à valorização e ao resguardo de garantias fundamentais da
pessoa humana. Deste modo, mantém valorosa função de proteção ao status dignitatis do homem, na medida em
que veda a possibilidade de que alguém seja processado e, principalmente,
condenado em duas oportunidades pela prática do mesmo fato criminoso.
Tal Princípio encontra-se inicialmente implícito da
Constituição Federal dentro das garantias fundamentais do indivíduo com
objetivo de acautelar a segurança jurídica das pessoas com relação à atuação
estatal.
Por fim, no Código Penal, o princípio do No Bis in
idem é referido de maneira tácita nos artigos 8º, 42 e 61. No que se refere ao
primeiro disposto, com relação a crimes praticados no estrangeiro, o agente, ao
retornar ao Brasil, para que tenha sua pena calculada de maneira justa, sendo
esta pela prática de mesmo crime, terá ela atenuada se forem diversas e
computadas se forem idênticas. A respeito do segundo disposto, o mesmo tem por
objetivo impedir excessos do Estado ao sentenciar uma pena. Com relação ao
terceiro, tal previsão tem por objetivo distinguir as agravantes do artigo 61
das agravantes já descritas no tipo penal, com intuito de não permitir que o
agente tenha sua pena aumentada pelo mesmo fato.
Assim, percebe-se que a previsão, ainda que tácita,
do Princípio do No Bis in Idem, em
nosso ordenamento jurídico, tanto para o direito material quanto para o direito
processual, traz ao cidadão a garantia da vedação de uma série de injustiças,
sobretudo na medida em que se apresenta como verdadeiro fator de limitação do
poder punitivo estatal, de modo a fundamentar a previsão da dignidade da pessoa
humana em casos concretos.
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rev., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts 1º a
120-12 ed.rev.atual.ampl.-São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
SILVA, Pablo Rodrigo Alflen da. Inconstitucionalidade
do art. 40, inciso VII, da lei de drogas por inobservância ao ne bis in idem e
violação à proibição de excesso. BDJur, Brasília, DF, 29 jul. 2009.[on line] Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/23186/Inconstitucionalidade_art.40.pdf?sequence=1.
Acesso em 09/06/12 às
14hs:00.
STRECK, Lenio. Hermenêutica
Jurídica e(m) Crise. Uma exploração hermenêutica da construção do Direito,
6ª ed. – Porto Alegre. Livraria do Advogado Editora, 2005.
VENOSA,
Sílvio. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. - 2. ed. -6. reimpr. - São Paulo: Atlas, 2009.
[1] A autora é Acadêmica do Curso de
Direito III Semestre, Licenciada em Matemática pela Universidade Regional
Integrada-URI-Santiago e Empresária no ramo de Tecnologia da Informação.
E-mail: michellipedrozo@gmail.com.
[2] O autor é Professor das disciplinas
de Direito Penal e Direito Processual Penal da Universidade Regional Integrada
do Alto Uruguai e das Missões – URI Campus Santiago, Especialista em Direito
Público e Doutorando em Direito Penal, além de Delegado de Polícia Civil no RS.
E-mail: vhmedeiros@hotmail.com.
[3] VENOSA, Sílvio. Introdução ao estudo do direito : primeiras
linhas. - 2. ed. -6. reimpr. - São Paulo: Atlas, 2009.
[4] STRECK, Lenio. Hermenêutica Jurídica
e(m) Crise. Uma exploração hermenêutica da construção do Direito, 6ª ed. –
Porto Alegre. Livraria do Advogado Editora, 2005.
[5] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de
introdução à ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, Saraiva, 1993.
[6] ÁVILA, Humberto. Teoria dos
Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos 12ª ed. São Paulo
Editora Malheiros Editores LTDA, 2011.
[7] CRUZ, Álvaro. Hermenêutica Jurídica
e(m) Debate. Constitucionalismo brasileiro entre a teoria do discurso e a
ontologia existencial. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
[8]PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito
Penal Brasileiro, volume 1: parte geral, arts 1º a 120-12
ed.rev.atual.ampl.-São Paulo: RT, 2013.
[9]MASCARENHAS, Marcella Alves. O Princípio “Ne Bis In Idem”
nos Âmbitos Material e Processual sob o Ponto de Vista do Direito Penal
Interno. Revista de direito da unigranrio. Volume 2. Número 2 2009.
[10]SILVA, Pablo Rodrigo
Alflen da. Inconstitucionalidade do art. 40, inciso VII, da lei de drogas por
inobservância ao ne bis in idem e violação à proibição de excesso. BDJur,
Brasília, DF, 29 jul. 2009.
[11]ESTEFAM,
André. Direito Penal, volume 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.O autor é Promotor de
Justiça e Professor de cursos preparatórios para concursos.
[12] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro,
volume 1, parte geral arts. 1º a 120.
8ª ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. –
(Curso de Direito Penal Brasileiro; V1).
[13] CAPEZ, Fernando
Curso de processo penal . – 19. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012.
[14] Computar: calcular, contar, orçar,
isto é, fazer o cálculo referente ao tempo em que o acusado esteve preso
anteriormente e o tempo em que foi imposto na sentença final.
[15] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de
Direito Penal – Parte geral: Parte Especial – 4ª ed. rev. Atual e ampl. 3 tir –
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
[16] JESUS, Damásio.
Direito penal – Parte geral. - São Paulo Saraiva, 1998. Conteúdo: V. 1. Parte
geral. 21. ed. rev. e atual em formato digital.
[17] NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Da
detração penal. Revista Jus
Navigandi, dez. 2004.
[18] GONÇALVES, Victor
Eduardo Rios. Direito penal, parte geral – 18. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012.
– (Coleção sinopses jurídicas; v. 7)
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